- Encontrar um grupo de pessoas que tem sido demonizado em seu ambiente.
- Pesquisar sobre esse coletivo e encontrar um elemento sobre eles que você aprecia verdadeiramente - cultura, música, dança, culinária, tradições, vestuário, hábitos etc...
- Prepare um discurso informativo sobre este elemento que você aprecia, sem defender o grupo ativamente, e sem pedir às pessoas que simpatizem ou se compadeçam dele.
- Não explique o objetivo desta seção
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Nossa identidade de grupo
Os seres humanos são criaturas tribais. De um ponto de vista evolutivo, os seres humanos precisam do apoio de uma estrutura social para sobreviver. Bebês humanos têm o período mais longo de dependência dos pais de todas as espécies e, mesmo depois disso, o Homo sapiens sapiens não é particularmente hábil quando se trata de correr, nadar ou escalar. Nenhum de nossos sentidos é espetacularmente desenvolvido. Nós sempre fomos levados a procurar nossos próximos para formar grupos que pudessem nos trazer, coletivamente, chances muito maiores de sobrevivência - não apenas para caçar juntos as presas, mas também para dividir o trabalho de forma eficiente e encontrar parceiros.
Atualmente, nada realmente mudou. Nós ainda sentimos o desejo de "pertencer" a algum grupo. No entanto, essa necessidade de pertencimento, quando levada a extremos, torna-se o que os antropólogos chamam de "tribalismo tóxico" - uma aderência tão incondicional ao nosso pequeno grupo que nos tornamos inconscientes, dogmáticos e hostis em relação a todos os outros grupos.
Quando algo se torna inconsciente ou automático, deixamos de estar no controle. Não examinamos criticamente se o que está sendo dito ou o que estamos lendo faz sentido, desde que aquilo esteja de acordo com nossa identidade de grupo. E o que é pior - nossas reações tornam-se previsíveis e, assim, tornamo-nos alvos fáceis para manipulação - da mesma maneira que um touro pode ser induzido a correr em qualquer direção se mostrarmos para ele algo que ele pense que é perigoso.
Demonização (Desumanização)
A demonização é uma técnica comumente utilizada para atiçar as chamas do tribalismo tóxico e induzir populações a comportamentos específicos. Ela consiste em atribuir uma generalização extremamente negativa a membros que pertencem a grupos diferentes. Esses grupos diferentes podem ser geográficos (demonização de pessoas de outros países ou regiões), étnico (demonização de raças específicas), religiosa (demonização dos membros de uma religião específica) etc. Você pode encontrar diversos exemplos de desumanização na figura de abertura desta atividade.
Às vezes, a demonização se inicia com alvos fáceis - tais como um líder ou representante conhecido do grupo alvo selecionado. Nas palavras do Instituto Cato:
"Quando começa-se a demonizar o presidente ou líder de um país, incrusta-se permanentemente uma desumanização orientada por ideologia nos corações e mentes dos americanos, justificando quaisquer atos futuros de violência contra aquele país e contra sua população."
Apesar de ser uma ferramenta rude, ela é geralmente muito efetiva por criar imagens vívidas na audiência e por criar um clima de ameaça contra o grupo de pessoas que são queridas pelos indivíduos. Quando esse indivíduo é suficientemente alimentado com medo e ódio, ele pode ser ordenado para fazer muito mais coisas do que estaria inicialmente disposto, e mesmo chegar ao ponto de matar outras pessoas e sacrificar sua própria vida.
Hermann Göring foi um dos líderes mais proeminentes do partido nazista, fundador da Gestapo e chefe da Força Aérea Alemã (a Luftwaffe), e ilustrou isso perfeitamente com a seguinte afirmação durante os julgamentos sobre os crimes de guerra de Nuremberg:
Porque, claro, as pessoas não querem guerra. Por que algum pobre coitado em uma fazenda quer arriscar sua vida em uma guerra, quando o melhor que ele pode tirar disso é voltar para a fazenda vivo? Naturalmente, pessoas comuns não querem guerra; nem na Rússia, nem na Inglaterra, nem na América e nem na Alemanha. Isso é claro.
Mas, no final das contas, são os líderes do país que determinam a política e é sempre uma questão simples arrastar as pessoas junto, seja em uma democracia ou em uma ditadura facista, seja em uma ditadura comunista ou no parlamentarismo.
As pessoas podem ser sempre levadas a seguirem seus líderes. Isso é fácil. Tudo que devemos fazer é dizer que elas estão sendo atacadas e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e por expor o país ao perigo. Funciona da mesma forma em qualquer país.
Apesar de a demonização de outros grupos e de seus líderes ter existido por toda a história, nos últimos tempos essa prática se tornou ampla, apoiada pela possibilidade de disseminação via redes sociais. A Anistia Internacional publicou um relatório em 2016 - 2017 advertindo contra os perigos dessas táticas.
Por que demonizar?
Pessoas que promovem a demonização de grupos o fazem basicamente por duas razões:
- Implementar sua própria agenda. Por exemplo, é muito mais fácil aumentar os gastos militares se as pessoas tiverem a impressão de que seu modo de vida está sendo ameaçado. É muito mais fácil aumentar o orçamento de departamentos de polícia se as pessoas acreditarem que existe um aumento massivo de criminosos. De fato, a demonização é uma maneira assustadoramente barata de implementar interesses próprios.
- Deslocar o foco da atenção de um determinado assunto, ou distrair o público. Por exemplo, se seu partido for flagrado realizando apropriação indevida de dinheiro, é muito mais simples passar pela tempestade apontando dedos para outros assuntos.
Combatendo o tribalismo tóxico e a desumanização
Combater o tribalismo tóxico, a desumanização e os estereótipos negativos em geral não é uma tarefa fácil, especialmente se eles forem sutis e implementados de maneiras não-óbvias.
Como ilustrado nesse curto vídeo satírico, os chamados estereótipos implícitos podem ser evocados por sugestões sociais, mesmo que a população envolvida esteja ciente de sua existência e saibam que eles são indesejáveis.
Seria possível pensar que o tribalismo pode ser combatido com explicações sobre a irracionalidade da demonização e dos estereótipos e com pedidos ativos para que as pessoas não se engajem nesse tipo de comportamento. Apesar de isso poder ter algum efeito, pesquisas mostram que eles são de curto-prazo. Essa é uma das razões porque nesse projeto você não deve pedir para as pessoas pararem de fazer isso ou aquilo, e nem tentar dar argumentos racionais sobre a apresentação.
Pesquisas já mostraram que existem diversos métodos que funcionam contra a demonização e os estereótipos em geral.
Dando contraexemplos positivos
A primeira medida é tornar públicas pessoas do grupo discriminado que carregam qualidades contrárias ao que o estereótipo sugere ("contraestereotípicas"). Com exposição suficiente, o estereótipo pode ser bastante reduzido. Por exemplo, se o estereótipo é que os "os ciganos são ladrões", contraestereótipos podem ser construídos se falarmos sobre pessoas Roma honrosas, ou pessoas Roma bem-sucedidas e que tenham comportamento exemplar.
A boa notícia é que os contraestereótipos são efetivos mesmo quando são meramente imaginados. Trata-se apenas de mais uma aplicação da técnica muito conhecida de visualização - na qual o simples fato de imaginar ou pensar sobre uma situação nos ajuda a nos prepararmos para ela. Da mesma maneira, simplesmente imaginar pessoas Roma honrosas já ajuda a diminuir a força do estereótipo.
Atenção -
pesquisas também sugerem que contraexemplos extremos tendem a criar um efeito boomerang, reforçando o estereótipo. Um mecanismo similar a "
ah, mas essa deve ser a exceção que confirma a regra" é acionado em nossos cérebros. Assim, se o estereótipo é o de que
"as mulheres são fracas", por exemplo, o contraexemplo deve ser de mulheres fortes comuns, e não exemplos extremos como a Rainha Elizabeth ou Joana D'Arc.
Existe mais um efeito positivo de se apresentar contraexemplos para os estereótipos.
Estudos mostram que, quando as pessoas se confrontam com contraexemplos sobre suas crenças e os processam, elas se tornam pensadores mais flexíveis e criativos.
Interrompendo o círculo vicioso da crença
A pressão social e as normas sociais (sejam eles reais ou percebidos) podem ter papel importante na formação e perpetuação desses estereótipos. Nossas crenças são reforçadas se pensarmos que elas são compartilhadas pela maior parte da população. De fato, os experimentos de conformidade de Asch mostram que a pressão social pode nos fazer desistir do senso comum e adotar ideias que são obviamente erradas.
Pesquisas mostram que, quando as pessoas tornam-se conscientes de que seus preconceitos não são compartilhados por outros, os estereótipos diminuem. De fato, um dos objetivos deste projeto é justamente fornecer um testemunho que diga "olha, eu estou aqui, e eu penso de maneira diferente sobre essas pessoas. Se você acredita no que a demonização está te dizendo, estou aqui para declarar claramente que eu não compartilho desta opinião".
Examinando criticamente mensagens externas e nossas próprias crenças
Nós podemos dar um grande passo contra o tribalismo tóxico ao analisarmos e verificarmos fatos e se nunca aceitarmos imediatamente como certas as afirmações que ouvimos, especialmente se elas contêm nuances críticas ou generalizações. Esse é um tema extensamente trabalhado no Percurso de Pensamento Crítico.
Aqui está um exemplo breve de como a demonização pode se insinuar de forma lenta e sutil. Como resultado da epidemia de COVID, muitos países tiveram que adotar um lockdown completo para evitar a propagação exponencial do vírus. Você consegue perceber as diferenças sutis de narrativa e como essa medida é retratada nos dois fragmentos do New York Times abaixo?
Engajando-se em atividades cooperativas com representantes dos grupos demonizados.
É óbvio que simplesmente passar tempo com representantes dos grupos demonizados, de maneira não-confrontacional, diminui muito os estereótipos com o passar do tempo. A habilidade de não julgar, de trabalhar com tipos diferentes de pessoas, de ser flexível, criativo, e de ter uma mente aberta são características cruciais dos líderes contemporâneos, e nós trabalhamos para desenvolver esses aspectos no Programa de Lideranças Ágora.
Atividade
Para a seção "Hoje Viajamos Para..." da reunião, você deverá fazer duas coisas:
Pesquisar
1 Seja observador e fique atento para detectar os sinais de demonização à sua volta - seja nas redes sociais, nos comentários de amigos, TV, jornais etc., de forma a identificar um coletivo de pessoas vítima de demonização. Talvez você mesmo tenha esse tipo de comportamento? É importante, para essa atividade, que a demonização esteja ocorrendo no seu contexto, não em algum outro lugar ou de maneira teórica. Se você mora na Suécia, não fale sobre como os africanos são demonizados na Espanha. Provavelmente existem grupos muito mais próximos de você.
Em vários países, você não precisará fazer muito esforço para encontrar esses grupos. A Rússia e os EUA, tradicionalmente, demonizam um ao outro em suas respectivas esferas de influência. O mesmo pode ser dito sobre os atores políticos do Oriente Médio. China vs. Japão é outra rixa "tradicional". Na verdade, é fácil encontrar na internet os mapas sarcásticos (mas também sérios) sobre quem odeia o que, como o seguinte mapa do "ódio na Europa":
Em geral, a demonização não é explícita, e sim sutil. Uma maneira de treinar nossa capacidade de detectá-la é ler/assistir formadores de opinião populares (mídias tradicionais, blogs populares, influenciadores etc.) e analisar os fragmentos que fazem você não gostar, julgar ou condenar alguém. Coloque sob escrutínio qualquer coisa que produza em você uma reação emocional negativa em relação a um grupo de pessoas.
Discurso para o Clube
2 Assim que você tiver identificado o grupo demonizado, seu objetivo será pesquisar sobre aquele grupo e apresentar um discurso de 3-5 minutos abordando algo positivo sobre eles que tenha chamado sua atenção.
Nesse discurso, você utilizará duas técnicas:
- Apresentar um ou dois contraexemplos positivos.
- Enviar um sinal implícito de que as crenças demonizadoras não são partilhadas. Afinal, ao falar positivamente sobre o coletivo discriminado, você estará agindo como a prova viva de que existem pessoas com outras crenças.
O discurso deve se focar inteiramente nos aspectos positivos que você descobrir. Eles podem ser qualquer coisa: do folclore à culinária, dos hábitos à arquitetura, das tradições à arte, de eventos históricos a avanços da ciência realizados por membros daquele coletivo. O discurso deve ser informativo e factual, não persuasivo. Você não está tentando convencer ninguém sobre nada - está apenas jogando uma luz positiva em um grupo de pessoas geralmente ostracizado.
Também é extremamente importante que você realmente goste do que está falando. Não fale sobre coisas que "são boas em teoria" ou de que "todo mundo goste" - fale sobre as coisas que você admire pessoalmente.
Também é importante fazer o discurso sobre algo que seja intrínseco àquele coletivo (em outras palavras, sobre coisas que são o que são pela escolha ou ação ativa daquele grupo particular).
Por exemplo, imagine que você queira falar sobre os búlgaros. Não faz sentido criar um discurso sobre as belezas das montanhas e lagos da Bulgária, porque - assim como para qualquer outra nação - o fato de os búlgaros viverem onde eles vivem é uma coincidência histórica, e as montanhas e lagos seriam igualmente belos independentemente do fato de chineses, japoneses, ciganos ou qualquer outro coletivo ocuparem aquele lugar. (Claro que tudo é um pouco mais sutil - os atributos geográficos moldam, com o tempo, a cultura e as tradições, e mesmo a maneira de um grupo perceber o mundo. No entanto, para os objetivos deste projeto, e já que essa construção se processa em períodos muito longos de tempo, vamos assumi-la como não relevante).
O que você pode fazer, por outro lado, é falar sobre a relação entre o grupo e seu ambiente, porque isso é inteiramente da escolha do grupo. Se um coletivo particular mantém o ambiente limpo, valoriza recursos naturais, tem políticas de desenvolvimento sustentável etc., e tudo isso age para preservar a beleza das montanhas e lagos pré-existentes, - isso seria um tópico válido para um discurso.
Como em todos os discursos, tente manter o foco no tema. Você não tem uma hora inteira para falar, então tente transmitir um ou dois pontos centrais e elaborar sobre eles. Por exemplo, ao invés de tentar transmitir toda a história e folclore dos ciganos em 5 minutos, foque em um festival específico, ou em uma determinada tradição, e ilustre-os com detalhes.
O discurso não deve:
- Mencionar que o grupo é vítima de demonização.
- Discutir porque você escolheu esse grupo particular, e não um outro.
- Compadecer-se, simpatizar ou demorar-se sobre suas lutas e dificuldades. Por exemplo, se você escolher um grupo de imigrantes ou refugiados, o sujeito do seu discurso não pode ser quão difícil foi, para eles, se adaptar ao seu país ou quão terríveis são as guerras em seu país de origem.
- Exortar a audiência a gostar deles ou a fazer qualquer coisa. Lembre-se - esse não é um discurso persuasivo que termina chamando as pessoas para a ação (lembre-se do que as pesquisas mostram - você só vai ter a ilusão de ter mudado a mente das pessoas mas, na verdade, os velhos estereótipos voltarão assim que elas deixarem o recinto).
Se você fizer alguma das coisas mencionadas acima, você apenas criará dificuldades que vão contra os objetivos da atividade.
Não exagere. Lembre-se da pesquisa sobre contraexemplos extremos mencionados acima. Se você tentar ser positivo ao extremo, pintando seu grupo como a melhor escolha do mundo, ou sua música/culinária etc. como sendo para lá de excepcional e encher seu discurso de superlativos, você correrá o risco de um efeito boomerang.
O título do discurso deve se basear em "Hoje Viajamos para...". Por exemplo:
- Hoje viajamos para a Rússia
- Hoje viajamos para a Califórnia
- Hoje viajamos para o mundo dos ciganos.
- etc
Avaliação
Esse projeto é avaliado de acordo com o cartão de avaliação a seguir.
Observação para o avaliador: Existe um limite tênue entre falar sobre um grupo e sobre onde e como ele vive e dar um discurso "de viajante", no qual o orador simplesmente narra sobre um local agradável que ele visitou. Uma confusão comum nesse projeto - feita por oradores que não leram toda a sua descrição - é pensar que o "Hoje viajamos para..." é aquilo dito literalmente pelo seu título, i.e., ir a algum lugar agradável e contar uma história sobre isso. Claramente, este não é o caso, e se você perceber que um discurso desse tipo foi realizado, você deve indicar que ele não cumpriu seus objetivos, explicar as razões e sugerir que o orador repita esta função em uma reunião futura.
Por outro lado, já que o orador, conscientemente, não vai indicar explicitamente o grupo sobre o qual está falando, às vezes é difícil dizer se estamos na primeira situação. Isso é especialmente verdadeiro em reuniões com a participação de pessoas de diferentes culturas e países: um grupo particular pode ser discriminado pelo grupo do orador, mas não pelo seu.
Assim, no momento em que você decidir avaliar um discurso do "Hoje viajamos para...", é uma boa ideia entrar em contato com o orador e perguntar para ele sobre o grupo que ele escolheu, idealmente dias antes da reunião. Isso também vai servir como um lembrete sutil sobre a natureza não-turística do discurso.
Recursos
Cartão de avaliação